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19 de Abril de 2024

A nova lei de lavagem de dinheiro e o sigilo profissional do advogado

há 11 anos

INTRODUÇAO

Em 1998, em decorrência dos debates presentes na Convenção de Viena, o Brasil aprovou a Lei 9.613/98, tendo como principal finalidade, o combate à lavagem de dinheiro.

Nesse diapasão e partindo do conceito dado pelo COAF Conselho de Controle de Atividades Financeiras órgão criado pela lei supratranscrita, a lavagem de dinheiro caracteriza-se por um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país, de modo transitório ou permanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita e que se desenvolvem por meio de um processo dinâmico que envolve, teoricamente, três fases independentes que, com freqüência, ocorrem simultaneamente.

O crime está tipificado em seu artigo 1º e parágrafos seguintes, in verbis:

Art. 1º - Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

§ 1º - Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal:I - os converte em ativos lícitos;II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.

§ 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem:I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

(...)

Referida lei foi modificada recentemente pela Lei 12.683/12, que dentre outros pontos, dilatou a rigidez punitiva referente àquela infração, fez constar obrigações de identificar clientes, elaborar registros de suas atividades, mantendo os dados em um cadastro de forma atualizada, fornecendo tais informações ao COAF.

Além disso, a nova redação, em seu artigo 9º, inciso XIV, acrescentou pessoas que estão sujeitas essas obrigações:

Art. 9º Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:XIV - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações:

a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza;

b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos;

c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários;

d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas;

e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e

f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais;

()

Interpretando a grosso modo, extrai-se que o advogado ou a sociedade de advogados estão dentre aquelas pessoas obrigadas a manter e fornecer informações de seus clientes, nos moldes dos artigos 10 e 11 da nova lei de lavagem de dinheiro, o que não merece prosperar.

GARANTIA CONSTITUCIONAL E LEGAL DO SIGILO ADVOCATÍCIO

A advocacia, serviço indispensável à administração da justiça, possui garantia constitucional positivada no artigo 133 da Carta Magna de 1988:

CF

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Por ser norma de eficácia contida (aplicabilidade imediata, direta mas não integral, conforme nos ensina o Professor José Afonso da Silva), essa garantia pode ser restringida.

Dentre outras leis, a restrição abrolhou em 1994, com o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), mas juntamente com ela, foi ratificada a garantia do sigilo profissional, conforme o texto do artigo da norma, in verbis:

LEI Nº 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994 - Estatuto da Advocacia

(...)

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.

§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.

Tais dispositivos demonstram a intenção do legislador pátrio em reforçar a segurança jurídica existente nas relações entre advogados e seus clientes, no intuito de manter em sigilo as informações ali presentes, preservando o profissionalismo da relação.

Não só por questões profissionais, mas também, por segurança social, pessoal e até de caráter nacional, as informações repassadas ao advogado não podem ser divulgadas.

Ademais, o sigilo além de direito é um dever do advogado, eis que passível de sanção disciplinar, conforme preceitua o artigo 34 da Lei 8.906/94.

Nessa vertente, a garantia ao sigilo advocatício em suas relações profissionais é mais que um direito individual, mas sim, um dever com toda a sociedade.

Por mais que não existam direitos e garantias fundamentais constitucionais de forma absoluta, fornecer informações de terceiros, a qualquer pessoa que seja, a depender do caso, pode violar o inciso X do artigo da Carta Magna. (Proteção da Intimidade)

Por esses fundamentos, aplicar a Lei 12.683/12 ao advogado é contrariar a própria garantia constitucional e legal. Tal conduta seria no mínimo inconstitucional e por fim, ilegal.

CONSIDERAÇÕES CRIMINAIS

A submissão do advogado à nova lei de lavagem de dinheiro estará contrariando também preceitos criminais.

O artigo 154 do Código Penal tipifica tal conduta:

Violação do segredo profissional

Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

Ratificando: antes mesmo da nova legislação, o advogado já possuía o dever legal de sigilo perante seus clientes, sendo assim, revelar tais informações, até mesmo a órgão pertencente a ente estatal, poderia configurar crime.

Alguns poderiam até argumentar que haveria justa causa (decorrente de lei) para o advogado praticar tal delito, mas inexiste justificação plausível que seja baseada em algo inconstitucional.

Em termos processuais, destaco o artigo 157 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

Como demonstrado anteriormente, a divulgação de informações com base na Lei 12.683/12 por parte do advogado seria inconstitucional, por desrespeitar a garantia que lhe foi atribuída, sendo também ilegal, por ferir o seu estatuto.

Sendo assim, a prova colhida com base naquelas informações seria inadmissível no mundo penal.

CONCLUSAO

Por todos esses fundamentos, conclui-se que o profissional advocatício não está sujeito à redação dada pela nova Lei de Lavagem de Dinheiro, devendo tal dispositivo, no que tange sua aplicabilidade ao advogado, ser declarado inconstitucional.

REFERÊNCIAS

www.coaf.fazenda.gov.br

Lei 9.613/98

Lei 12.683/12

Constituição Federal de 1988

Estatuto da Advocacia Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2.848/40)

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